abril 13, 2024 5:17 PM

Search
Close this search box.

A história parece se passar na década de 1970, mas em nenhum momento alguma personagem se refere ao ano, deduzi somente pelas roupas e locais mostrados, denunciando a década. Acontece que o filme peca neste sentido, pois o ator principal diz ter nascido em 1968, então seria inviável o filme se ambientar na década seguinte ao seu nascimento. Acho até que tenha sido de propósito essa pequena confusão.

Talvez a ideia de que tudo pode ser “adquirido” ou tem algum valor (sentimental ou monetário), pode ser remetida ao tempo de cada ser humano (cada um faz o seu).

Deixando os detalhes de lado, o ator principal Selton Mello, aliás, brilhante no papel principal de Lourenço, dono de uma loja (estranha) que compra e comercializa objetos usados (exageradamente qualquer objeto).

Dentro desse ambiente de trabalho existe um banheiro que emana um cheiro ruim, vindo em princípio, do ralo existente no local. O foco nem seria exatamente este ralo, mas sim todo o contexto em que ele foi colocado no filme.

Spoilers a parte, este “cheiro” pode nos remeter a todo e qualquer “incomodo” que nos agride o dia a dia e que muitas vezes nem sabemos o foco. O trânsito enlouquecedor, coletivo lotado, falta de educação, insensibilidade humana e tantos outros. Em meio a este cheiro ruim diário, Lourenço vislumbra e deseja um troféu bem maior – a bunda de uma garçonete. Afinal de contas toda e qualquer “dor” precisa de um “prazer” como recompensa, mesmo que platônico.

A paranoia de Lourenço segue entre o odor exalado do ralo e o debate com alguns delírios diários. O filme segue numa metáfora sobre a podridão humana, misturada a elementos do cinema erótico dos anos 1970, beirando a comédia com uma pitada de humor negro. Como segundo longa-metragem de Heitor Dhalia (primeiro: Nina), o diretor expõe um “jogo” de poder e valores. A troca da frieza pelo prazer faz com a personagem principal maltrate e, em alguns momentos explore seus clientes, mas em contra partida se coloque frágil ao idolatrar a protuberância da garçonete.

O valor em si de cada objeto parece que não é interessante ou o ponto principal do protagonista, pois este compra qualquer porcaria que lhe pareça interessante, até mesmo um olho e uma perna mecânica. Cada cliente ao adentrar em seu escritório depende única e exclusivamente dele: Um louco, uma drogada, um paranoico, um possessivo, de tudo um pouco. Ao mesmo tempo Lourenço passa a ver as pessoas como se estivessem à venda, identificando-as através de uma característica ou um objeto que lhe é oferecido.

Incomodado com o permanente e fedorento cheiro do ralo, Lourenço vê seu mundo ruir quando é obrigado a se relacionar com uma das pessoas que julgava controlar – a garçonete, ou melhor, uma “parte” dela. Se colocarmos o filme em analogia com a vida, tudo é observado o tempo todo; o que é belo e perfeito sempre está mais em evidência; para tudo existe um preço ou é negociável; não somos únicos no mundo, precisamos do outro; somos frágeis e admitir isso pode ser um caminho. O filme é uma bela reflexão acerca da vida, indico de olhos fechados.

lislei carriloLislei Carrilo – Jornalista por formação, cinema é um vício, escritora por paixão, ansiosa por natureza, desastrada de nascença. Vive numa eterna busca..do quê? Quando encontrar te avisa.

Deixe um comentário

Pular para o conteúdo