Primeiro filme que tem direção e roteiro de Alexandre Stockler (Na Selva das Cidades, Um Homem é um Homem, O Mendigo ou o cachorro morto). Um diretor de teatro que foi muito feliz em se entregar ao cinema.
Um grito a sociedade “Cama de Gato” foi feito para chocar, em meio a tantos movimentos sobre a violência contra a mulher, este filme veio agregar o tema. O longa-metragem de estreia do diretor segue alguns preceitos do movimento fílmico dinamarquês Dogma 95, mas, numa linguagem tupiniquim o diretor paulista batizou de “Manifesto Trauma”.
Assim como Lars von Trier, um dos criadores do Dogma, Stockler deixa a câmera trêmula, corrida, nas mãos; a condição de luz é natural, imperfeita e algumas vezes escura envolvida por ambientes fechados. Cama de gato foi uma película produzida em vídeo digital com algumas sequencias em celuloide, atores e equipe técnica não cobraram cachê.
Entre as personagens estão Cristiano (Caio Blat), Chico (Rodrigo Bolzan), Gabriel (Cainan Baladez) três amigos inseparáveis que se envolvem numa espiral de violência que só tende a aumentar pela completa incapacidade do trio em controlar seus atos e emoções. Querendo somente a diversão pura e simples os 3 amigos imaturos e, achando que o mundo em que vivem não existe punição saem pelas ruas de São Paulo brincando e infringindo leis.
Cristiano recebe em sua casa a visita de uma colega, com quem diabolicamente planeja se divertir. Sem que ela saiba que seus dois amigos estão escondidos e se apresentarão para uma “transa” a 4 quando ela menos esperar. Mas, a moça ao vê-los não concorda e acaba sendo estuprada pelos rapazes. Eles perdem o controle da situação e, ao final, percebem que ela está inconsciente.
O filme é norteado por cenas fortes. Em uma delas o personagem interpretado por Caio Blat faz sexo oral na vítima com um realismo capaz de colocar em dúvida se na longa cena de estupro, praticada por ele e os amigos, houve ou não penetração. Numa mistura de “Assassinos por natureza”, “Os idiotas” e “Laranja mecânica”, os garotos mimados de classe média alta cometem esse crime e se complicam ainda mais ao tentar esconder a autoria.
Logo depois do estupro a mãe de Cristiano chega inesperadamente e o pânico toma conta do filho que tenta impedir que ela suba ao quarto e encontre o corpo da garota. Tragédia pouco é bobagem, a mãe se assusta com a aparição repentina de um deles, tropeça e rola a escada, quebrando o pescoço.
Com dois cadáveres em casa, os desastrados amigos se culpam pelo ocorrido e tentam encontrar uma saída para a situação. Eles querem se livrar dos corpos, apagarem todos os vestígios que os liguem aos crimes, e ainda encontrar um tempinho para ir a uma festa. A história poderia parecer cômica se não fosse tão trágica.
O filme pretende ser uma crítica ao atual estado em que se encontra o país. Forte, chocante, violento, uma tapa na cara de hipócritas que se acham impunes a tudo e a todos, e que em alguns casos é exatamente o que acontece – nada. Preocupante a visão “nada a ver”, “não sou responsável por nada”, “a culpada é da mulher” ou “não é minha culpa” de alguns jovens nos depoimentos colhidos para o filme. Quase 15 anos depois do lançamento do filme o tema ainda é atual, citando a falta de comprometimento com a sociedade e o respeito pelo outro.
Assista preparado, sem neuroses ou preconceitos, coloque um olhar crítico e reflita sobre a vida que nos passa aos olhos todos os dias. A trilha sonora é composta por músicas de bandas desconhecidas e foram selecionadas através de uma campanha pela internet.
Lislei Carrilo – Jornalista por formação, cinema é um vício, escritora por paixão, ansiosa por natureza, desastrada de nascença. Vive numa eterna busca…do quê? Quando encontrar te avisa.